Queria ter o privilégio
De me poder chamar artista.
Ficar grata,
Todos os dias,
Pelo dom que Deus me deu.
Ser aplaudida,
Fazerem-me a vénia
Poder abrir o botão das calças e arrotar de despreocupações,
Estar eternamente saciada.
Não pedir ou ambicionar nada,
A não ser a prestígio,
O reconhecimento de ter criado algo.
Acordar todos os dias,
Sem a inquietação de ter de conseguir criar haveres,
Os quais ainda mais ninguém criou.
Ter tempo para me deitar ao sol,
Ou simplesmente esquecer que há mundo.
Para além das minhas dissonâncias
Sobre pseudo-arte e outras tristezas várias,
Queria ter tempo para criar algo a sério,
E deixar de invejar aquilo que acho que outros fazem não tão bem,
Os quais tem tempo para tal.
Anseio apenas ser uma singela escritora de romances de cordel,
Solitária entre o reconhecimento de amores vadios,
Não meus.
Mas daqueles a que eu chamo gente.
Personagens imaginadas,
Que retratam aquilo que eu eventualmente queria ser em tempos,
Ou quererei ser,
Inconscientemente.
Aquilo que não tive partido (nem coragem),
Para o poder fazer.
Resta-me agora ser
Uma miserável senhora que se prende nos imaginários
Que criam apetites ferozes
A indivíduos desconhecidos.
Uma espetadora de vidas que eu próprio crio.
Uma derrotada.
Uma contranatura.
Uma incompreendida.